“Tenho anos de consultório e nunca passei por um susto.” Essa frase é comum — mas também é comum que, quando o susto acontece, ele chegue sem aviso. Um episódio de queda, uma reação inesperada, uma insatisfação mal conduzida: tudo pode ganhar proporções maiores se não houver preparo de como lidar com a situação.
Estabelecer um plano de ação para intercorrências e uma política clara para ouvir e acolher o paciente não é excesso de zelo, é estratégia. E pode ser o que separa um relato informal de uma denúncia formal.
O que é gestão de intercorrências e por que ela importa?
A gestão de intercorrências consiste em mapear riscos possíveis durante os atendimentos e definir, previamente, os procedimentos adequados para lidar com eles. Isso pode incluir desde mal-estar na sala de espera até insatisfação com o procedimento realizado.
Quando essa gestão é documentada — por meio de POPs, registros de prontuário, termos de ciência e fluxos internos — o médico demonstra responsabilidade e organização. E, juridicamente, essa estruturação funciona como um escudo jurídico, porque evidencia o preparo do profissional mesmo diante de situações inesperadas.
E quando não há protocolo nem registro da intercorrência?
Imagine um paciente que relata dor anormal após um procedimento estético. Se o consultório não tiver um plano de acolhimento, registro do contato, orientação clara e acompanhamento, o incômodo pode virar desconfiança e até mesmo uma denúncia.
Agora, se há um fluxo estabelecido, um documento de ciência e o registro detalhado do atendimento no prontuário, o cenário muda. A experiência do paciente é acolhida, e o médico tem elementos objetivos para demonstrar que agiu com diligência, mesmo diante da intercorrência.
Mas isso não é exagero? Não resolve só com diálogo?
A comunicação e o diálogo com o paciente são fundamentais, mas contar apenas com isso é arriscado. A formalização de procedimentos protege o diálogo e oferece ao médico mais segurança para agir com tranquilidade, especialmente em situações sensíveis.
Ter planos de ação e medidas previamente estabelecidas diminui a chance de improviso, aumenta a confiança da equipe e reduz as chances de judicialização. Além disso, medidas de acolhimento e escuta ativa ajudam a mitigar conflitos e promovem uma experiência mais segura e humanizada para o paciente.
Como implementar uma gestão de intercorrências eficaz?
O processo precisa ser adaptado à realidade de cada consultório. O importante é que exista um planejamento mínimo de atuação em casos de intercorrências e que ele seja de conhecimento da equipe.
Passo a passo básico:
- Identifique os principais riscos ou situações adversas que podem ocorrer na sua especialidade
- Crie um plano de ação com orientações claras (quem aciona quem, o que registrar, como acolher)
- Elabore documentos complementares se necessário (ex: termo de ciência de intercorrência, orientações por escrito pós-atendimento)
- Registre tudo no prontuário de forma técnica e objetiva
- Treine sua equipe com base em situações reais já enfrentadas ou com potencial de ocorrer
Exemplos práticos:
- Paciente desmaiado na sala de espera → Ação: isolar o ambiente, acionar responsável, aferir sinais vitais, fazer registro e encaminhamento formal
- Paciente relatando dor no retorno → Ação: reavaliar, registrar, acolher verbalmente e por escrito, acompanhar evolução
- Paciente expressando insatisfação pelo WhatsApp → Ação: não debater por mensagem, convidar para avaliação presencial, fazer termo de ciência, registrar prontuário
Termo de Manejo e Acompanhamento de Intercorrência: o que registrar quando algo sai do esperado?
O termo de manejo e acompanhamento de intercorrência é indicado para registrar formalmente situações clínicas que fogem da evolução desejada do tratamento. Lembramos que as intercorrências podem ser previsíveis e evitáveis, previsíveis e inevitáveis ou ainda completamente imprevisíveis.
É importante esclarecer: a intercorrência, por si só, não é um problema — muitas vezes ela faz parte dos riscos inerentes ao procedimento, inclusive já previstos e consentidos pelo paciente. O que compromete juridicamente o médico é a omissão, a ausência de registro e de manejo estruturado.
Quando algo não sai conforme o esperado, ignorar ou omitir o ocorrido no prontuário como se jamais tivesse existido representa um risco elevado. Isso é ainda mais grave quando a intercorrência deixa vestígios clínicos ou técnicos no corpo do paciente, tornando insustentável alegar que nada aconteceu diante de uma futura investigação judicial.
O termo de intercorrência, nesse contexto, é uma ferramenta de segurança: demonstra preparo, acolhimento e seriedade na condução do cuidado, valorizando a ética e protegendo a prática profissional. Esse termo registra como a situação foi conduzida, quais providências foram adotadas, quais orientações foram repassadas ao paciente e/ou familiares e como a equipe se mobilizou. Essa rastreabilidade fortalece a defesa médica, demonstra responsabilidade e reforça o compromisso com a segurança assistencial.
Esse tipo de documento pode ser decisivo em situações em que há um distanciamento entre o atendimento e a formalização de uma eventual reclamação. Ao incluir esse termo no prontuário o médico demonstra que a assistência foi contínua, diligente e responsável, o que pode afastar alegações futuras de negligência ou omissão.
O que é o termo de satisfação do paciente e por que ele importa?
O Termo de Satisfação é um instrumento jurídico que pode (e deve) ser utilizado ao final de tratamentos e atendimentos eletivos. Ele permite registrar a percepção do paciente enquanto ela ainda é positiva, criando um marco temporal importante e demonstrando que houve acolhimento e escuta até o fim da jornada.
Diferente do que muitos pensam, esse termo não é exclusivo para situações adversas — ele é, na verdade, um sinal de organização e zelo profissional. Em caso de conflito futuro, especialmente se houver mudança de percepção por parte do paciente, esse documento pode ser um elemento chave de defesa.
O uso desses documentos, aliado à gestão de intercorrências e à escuta ativa, fortalece não apenas a segurança jurídica, mas também a confiança entre médico e paciente. Se você quer implantar esse cuidado na rotina da sua clínica, nosso time está pronto para ajudar.