Por mais comprometido que o médico seja, ele não atua sozinho. O que a recepcionista diz ao telefone, como a secretária agenda retornos, o tom da cobrança feita por WhatsApp. Tudo isso pode virar parte de um processo se houver falha na comunicação ou na conduta. E o pior: o médico será o responsável legal.
A ausência de diretrizes formais para a equipe é um dos maiores pontos cegos na gestão de riscos da prática médica. É como dirigir com o carro revisado, mas com os olhos vendados. A governança jurídica, aliada ao treinamento da equipe, é uma ferramenta real de prevenção e controle dos riscos.
Por que ter regras de conduta interna é tão importante quanto cuidar do prontuário?
A prática médica é cercada de protocolos clínicos, mas na rotina da clínica, boa parte das decisões que geram conflitos não são técnicas, e sim operacionais. Horários de retorno, cobrança por ausência, mudança de conduta, acesso a informações por terceiros… Tudo isso precisa estar previsto, com clareza, e ser seguido por todos.
Além disso, com a crescente judicialização da medicina, há uma tendência dos pacientes recorrerem à Justiça mesmo quando os fatos são banais, ou ainda, não envolvem um erro técnico do médico propriamente dito. E, nesses casos, ter um histórico de condutas alinhadas e treinadas se torna um grande diferencial jurídico.
A ausência de governança é um risco oculto
Nem todo risco nasce de uma conduta negligente. Às vezes, ele se esconde na rotina. Imagine uma clínica onde a recepcionista, com boas intenções, responde a dúvidas de um paciente sobre um resultado de exame. Ela não dá diagnóstico, mas interpreta informalmente o que está no laudo, isso, dependendo da forma que a secretária conduziu a conversa, pode servir de base para uma reclamação judicial ou para uma denúncia junto ao CRM.
Ou se a colaboradora informa, por telefone, o resultado de um exame sem saber de fato quem está do outro lado da linha, ou ainda, se ela compartilha informações com o cônjuge do paciente sem autorização expressa? São atitudes que, embora pareçam inofensivas, podem violar normas de sigilo e resultar em graves consequências éticas e legais para o médico.
Por exemplo, a função de recepcionista não possui, em sua origem, obrigação legal de sigilo. Caso essa colaboradora tenha acesso a prontuários, exames, documentos médicos ou relatos de pacientes, seu contrato de trabalho precisa conter cláusula expressa de confidencialidade. Esse é apenas um dos diversos pontos que precisam ser previstos e formalizados quando se fala em governança clínica.
Situações como essa são comuns e, muitas vezes, passam despercebidas. Não envolvem má-fé, mas falta de orientação, ausência de protocolos ou treinamento. É aí que a governança clínica mostra sua importância: ela organiza, define e orienta. E o mais importante, ela previne. Com diretrizes claras, o risco deixa de ser uma surpresa e passa a ser gerenciado.
Mas, afinal, o que é a governança clínica?
Governança clínica é o conjunto de práticas, políticas, treinamentos, atualizações e rotinas organizadas que garantem a segurança, a qualidade e a responsabilidade na prestação dos serviços médicos. Ela vai muito além da gestão administrativa: envolve o alinhamento da conduta da equipe, realização de treinamentos e simulações, uso de protocolos claros e a atuação conforme preceitos éticos, técnicos e legais.
Através dela, o médico pode estabelecer o que deve (ou não) ser feito por cada membro da equipe, criar fluxos operacionais, prevenir falhas de comunicação e estruturar a clínica de maneira coesa e segura.
Como evitar que sua equipe gere riscos sem perceber?
O primeiro passo é entender que o médico é o responsável legal por todas as ações praticadas sob seu CNPJ. Alegar desconhecimento sobre a conduta da equipe dificilmente afasta sua responsabilidade, por isso a implantação de um modelo de governança clínica é indispensável e começa com a análise da rotina, mapeamento de riscos operacionais e construção de documentos como:
- Código de conduta interna
- Política de atendimento
- Política de Tratamento e Uso de Dados
- Roteiros de comunicação
- POPs assistenciais e administrativos
Além disso, é fundamental que sua equipe seja treinada de forma prática e contínua para compreender e aplicar esses padrões com segurança. O treinamento não apenas transmite conhecimento técnico, mas alinha o comportamento da equipe às diretrizes institucionais, fortalecendo a cultura de responsabilidade e prevenção. É esse preparo que diferencia uma equipe que apenas executa tarefas de uma equipe que atua com consciência jurídica e assistencial, assim, protegendo o paciente, a clínica e o médico.
Como agir para implementar essa proteção?
Com apoio jurídico, é possível estruturar sua clínica de forma preventiva, segura e alinhada às boas práticas.
Passo a passo básico:
- Fique atento aos principais pontos de contato entre equipe e paciente
- Organize as rotinas do dia a dia com foco nos riscos mais recorrentes
- Tenha documentos formais com as orientações claras
- Realize treinamentos práticos com a equipe
- Mantenha registro da participação e do conteúdo ministrado
Investir na governança e no preparo da equipe não é um luxo: é uma reforçar sua barreira de proteção jurídica. Com pequenas mudanças, você transforma a forma como sua clínica se comunica, organiza e se protege. E, claro, se precisar de apoio para estruturar essa segurança, nosso time está à disposição.